terça-feira, 30 de março de 2010

Pronto, já passou...


Ainda bem. De facto, quando surgiram as primeiras notícias, parecia uma catástrofe, uma calamidade, um pesadelo tornado realidade. Algo que não deveria e não poderia ter acontecido. Algo que ainda nos recusávamos a acreditar. Mas era verdade. Um país completamente destruído, como se os deuses tivessem pegado no mapa e o rasgassem em pedaços. Só porque sim. Haiti. A desolação foi geral, estendeu-se a todo o planeta. Um sítio tão aprazível para passar férias, tão acessível à bolsa da classe média, a qual passava por alta nesta terra pobre mas que tão generosamente se deixava explorar. Criou-se uma onda global para reconstruir uma das nossas mais agradáveis casas de férias. Pois ele era jornalistas, tão empenhados na reconstrução que até andavam pelo meio das ruas em táxis alugados após feroz leilão. Que se atiravam de janelas do 1º andar para eles próprios sentirem na pele o que os locais sentiram (alguns invejosos dirão que um tornozelo torcido não é o mesmo que morrer esmagado debaixo de um prédio, mas a intenção é que conta). Pois ele era religiosos (fanáticos aproveitadores, para os maldizentes) a salvar criancinhas orfâs (e mesmo as que o não eram) de um destino terrível, levando-as para os braços de caridosas famílias, as quais nem se importavam com a cor dessas crianças (até porque não seria tão dispendiosa a sua aquisição). Pois ele era artistas (que nunca o foram e deveriam continuar no fundo do baú das más recordações, dirão alguns) a escrever músicas e fazer concertos para contribuir com a receita de discos e espectáculos para a reconstrução (com uma parte apenas dos ganhos, porque isto de ser solidário sempre dá despesa e trabalho). Pois ele era voluntários de todo o mundo que todos os dias saíam de manhã dos seus hoteis com ar condicionado para andar no meio daquela desgraça a contar mortos e a dar entrevistas ao lado de feridos (os menos desfigurados, porque isto é para comover as pessoas que vêem na televisão e não para as enojar, tanto mais que normalmente estas imagens passam à hora das refeições). Até nós, neste cantinho tão longínquo, contribuímos e participámos. Toca de ligar para dar os nossos €0,60 mais a taxa do IVA, que isto é um país que não foge às suas responsabilidades (na realidade eram apenas €0,50, porque isto de ser solidário sempre dá despesa e trabalho). Toca de ver as figurinhas das novelas e revistas a atender telefones em directo para a televisão (que é aborrecido ter de gramar com as conversas de quem liga, mas é sempre bom aparecer). E pronto, todos ficámos consoladinhos, de consciência tranquila, a dormir reconfortados por "termos feito tudo o que podíamos por aqueles pobres desgraçados, que até nem conhecemos, mas é assim, temos de ser uns prós outros!". Agora já deixámos de ouvir falar dessa desgraça. Ainda bem, até se ficava sem apetite quando as imagens passavam na televisão. Algumas vezes até se tinha de mudar de canal. Mas pronto, já passou. Pelos vistos aqueles €0,60 mais a taxa do IVA foram bem empregues...